“Deus não está longe nem perto, Deus é”
Meus caro Abner,
Estou mais leve. Perder a responsabilidade de crer nas respostas
prontas torna-me mais tranquilo. Serei adepto da procura. Seguirei
crendo mesmo que eu não saiba expressar o que creio. A propósito,
preciso confessar-lhe que suas palavras me despertaram uma curiosa forma
de enxergar a fé de minha mãe.
Ela, na simplicidade de seus argumentos, não sabe dar respostas
às minhas perguntas, e mesmo assim ela segue crendo. Minha dúvida não é
nada perto de sua crença. Eu, sempre que interrogado sobre minhas
convicções acadêmicas, acabo por me conflitar com o que julgo saber.
Essa é a natureza do conhecimento. Ele é sempre relativo. É verdadeiro
até que provem o contrário. Meu conhecimento está fundamentado em
inúmeras corroborações, tornando-o um lugar seguro onde ancoro minhas
convicções.
Mas com minha mãe não é assim. A sua fé não é relativa. Não há
nada que possa pôr em questão a confiança que ela professa em Deus. Ela
crê, mas não depende de provas científicas para crer. Crê porque vive no
impulso de uma fé existencial sem a qual ela não saberia definir-se no
mundo. Ela é cristã. Meu pai é budista. Ambos enxergam o mundo a partir
das lentes que suas religiões lhes oferecem. São pessoas que creem em
formulações diferentes, mas se encontram em muitos pontos. São pessoas
de bem e lutam para que o mundo, esse particular, esse que se traduz em
necessitados concretos, seja beneficiado pela sua bondade. Meu pai fala
com muita eloquência sobre o que crê, mas minha mãe não.
Outro dia eu lhe perguntei se havia provas concretas da
ressurreição de Jesus. Ela disse que não. E foi então que eu a desafiei
dizendo que seria absurdo ter fé num acontecimento que não pode ser
provado cientificamente. Ela me respondeu com muita simplicidade que se
houvessem provas não haveria necessidade de ter fé. Sua saberia
retirou-me a coragem para uma nova pergunta. Respostas inteligentes nos
provocam para outras perguntas, mas sábias nos calam.
Querido Abner, ando navegando sobre as águas da sabedoria. Ela
tem remanso diferente do da inteligência. O rio dos intelectuais é mais
claro e sem muitas curvas. Já o rio dos sábios é turvo e sinuoso. Requer
habilidade para uma navegação segura. Eu vou aprendendo.
Meu jardim cresce, assim como crescem minhas alegrias. Já não
tenho o desconforto dilacerante das primeiras cartas. Meu amor por Clara
agora é leve, e por isso não me custa levá-lo comigo. Ainda que não
seja correspondido, esse amor faz parte de minhas riquezas humanas. O
desprezo que recebi de Clara não retira a nobreza do que sinto por ela.
Esse amor não me expõe fraco, tampouco me empobrece, ao contrário,
torna-me ainda mais feliz. Recordo-me de suas palavras desafiando-me a
olhar para o pódio onde o florista ostentava sua vitória sobre mim. Hoje
não me sinto envergonhado por isso. Paralelo ao pódio principal existe
outro, não concreto, e que só pode ser visto pelos olhos de quem sabe
crer que no fracasso há vitória. Nele eu ocupo o lugar mais alto. Sou
muito mais homem depois de ter sido derrotado, e essa visão eu devo a
você.
Incorporei ao meu dia o hábito de ir buscar-me para que não durma
sem mim. Tenho chegado à conclusão de que meu jardim tem me devolvido a
mim mesmo. Estou ressuscitando em cada semente que brota, e para essa
ressurreição eu também, assim como minha mãe, não tenho provas
concretas. Uma coisa é certa. Minha mãe sabe que estou ressuscitando, e
assim como ela dá testemunho de Jesus, ela também dará este testemunho
por mim.
Obrigado por ter gritado à porta de meu sepulcro. Obrigado pela
palavra que ordenou a minha ressurreição. Obrigado por ter ajudado a
retirar as minhas faixas. É com alegria que hoje ouso dizer,
biblicamente:”O que estava morto agora vive”.
Com amor de filho,
Alfredo
Publicado por: Pe. Fábio de Melo, em 16 nov 2016
Disponível em: http://www.fabiodemelo.com.br/deus-nao-esta-longe-nem-perto-deus-e/
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